sábado, 22 de janeiro de 2011

DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA

"Direitos Fundamentais e Democracia: O debate Habermas e Alexy". Este é o título do meu novo livro, lançado pela Editora Juruá. É uma versão da minha tese de doutorado, defendida junto à Universidade Federal de Pernambuco. Em síntese, procuro mostrar que, embora se anote aqui e ali as críticas formuladas por Jurgen Habermas à concepção de Robert Alexy, segundo a qual os princípios seriam mandados de otimização e, portanto, passíveis de ponderação, nem sempre se apercebe que estas censuras ocorrem dentro da teoria discursiva do Direito. 
Neste sentido, as admoestações habermasianas à visão de Robert Alexy há de ser entendidas não apenas quanto ao conceito de princípios, e sua vinculação aos valores, mas, essencialmente, referentes à própria concepção da teoria discursiva do Direito alexyana, e, dentro dela, à caracterização dos direitos fundamentais e o papel destes no Estado Democrático de Direito.
Daí a profunda divergência entre os dois quanto à adequada função, e lugar, da jurisdição constitucional numa democracia. Esperamos que, em tempos de exacerbado ativismo do Supremo Tribunal Federal, a presente obra ofereça subsídios para compreensão do atual momento do Direito Constitucional brasileiro.






sábado, 9 de outubro de 2010

Ministério Público e Desenvolvimento Social


Ministério Público e o desenvolvimento do Estado


            Dados do IBGE revelam que, embora tenham havido sensíveis melhoras nos últimos anos, o Piauí ainda apresenta os piores indicadores sociais. Continuamos a possuir, por exemplo, altas taxas de analfabetismo, de evasão e repetência escolar. Possuímos o pior saneamento básico do país: a coleta de esgoto chega a apenas 1,5% dos municípios; somente 39% dos municípios possuem coleta de lixo; apenas 4.9% dos domicílios piauienses estão ligados à rede coletora de esgoto.
            Ante este quadro, o Ministério Público, para cumprir plenamente as funções que lhe foram conferidas pela Constituição Federal de 1988, há de direcionar a sua atuação para a busca de resultados que impactem positivamente nos indicadores sociais. Isto significa que a defesa dos direitos da infância e da adolescência, do meio ambiente, do patrimônio público, da saúde e da educação hão de ter como princípio condutor e fim último a melhora daqueles indicadores.
            Assim, o Ministério Público, ao traçar seu plano de atuação, deve partir justamente de um diagnóstico de cada município, de forma a saber a taxa de frequência escolar, de evasão, de repetência e de defasagem idade/série de cada município, fazendo, se possível, um recorte por cor da pele, eis que negros e pardos apresentam escolaridade muito inferior à dos brancos. Saber a taxa de mortalidade infantil, taxa de mortalidade neonatal, a proporção de crianças de 1 ano vacinadas contra o sarampo, percentual da população coberta pelo Programa Saúde da Família, média mensal de visitas domiciliares realizadas pelos Agentes Comunitários de Saúde, etc.
            De posse deste diagnóstico, caberá ao Ministério Público fiscalizar o efetivo cumprimento dos programas e ações governamentais já existentes direcionados à resolução destes problemas. Trata-se, neste primeiro momento, de contribuir para que a gestão, sobretudo no âmbito municipal, seja pautada pela busca da eficiência e a superação daqueles indicadores. Estudos demonstram que vários municípios piauienses com receita per capita superior a de outros municípios possuem, mesmo assim, índice de desenvolvimento humano (IDH) inferiores. Ricardo Nunes de Miranda e Marcos Mendes demonstraram que "os dados relativos às finanças municipais mostram que as receitas dos municípios mais pobres não são significativamente menores que as receitas dos municípios mais ricos. As disponibilidades financeiras dos municípios mais pobres indicam que essas prefeituras teriam recursos para melhorar os seus indicadores sociais".
            Além disso, o Ministério Público pode, ante a omissão da administração pública, atuar como indutor de políticas públicas. Veja-se, por exemplo, a questão do saneamento básico. Embora a lei nº 11.445, de janeiro de 2007, tenha estabelecido que todas as cidades brasileiras devem elaborar, até dezembro de 2010, os seus planos de saneamento básico, a grande maioria dos municípios ainda precisa iniciar este processo.
            Por fim, e em função da posição constitucional que ocupa, o Ministério Público pode ser um grande catalisador de demandas sociais e instrumento de mobilização dos vários setores da sociedade, pois melhorar os indicadores sociais é tarefa de todos: poder público, organizações da sociedade civil, empresas e indivíduos.
            O Ministério Público pode, assim, ser instrumento de esperança social, que poderá significar, como destaca Lenio Luiz Streck, "esperança de democracia substancial, de redução das desigualdades sociais, enfim, esperança de justiça social ou minimamente, esperança de real e efetiva defesa dos interesses sociais".

domingo, 2 de maio de 2010

O que será

Um clássico da música brasileira na voz de dois "grandi cantanti italiani": il napoletano Pino Daniele e la romana Fiorella Mannoia.

sábado, 24 de abril de 2010

A OBJETIVIZAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Para o Paulo Rubens Rebouças

         Para alguns autores, o recurso extraordinário vem passando por várias transformações, sendo a principal delas, a sua "objetivização" e "abstrativização". Quer com isto dizer, de um lado, que o RE  "deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva" como argumentou o Min. Gilmar Mendes no RE 376.852/SC. E, de outro, que a decisão nele proferida não terá efeito apenas para as partes que compõe o processo, mas para todos, vale dizer, erga omnes.
         Sustenta-se que tal mutação na natureza do recurso extraordinário adveio em virtude de alterações legislativas, constitucionais e infraconstitucionais, tais como o art. 14, parágrafos 4º a 9º da Lei Federal nº 10.259/2001, os arts 102, § 3º. 103-A da CF/88, acrescentados pela EC nº 45/2004, além de algumas decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
         Resta, então, indagar se esta modalidade de recurso apresentava, de fato, um "caráter marcadamente subjetivo" e se estas mudanças na legislação foram de tal monta a operar uma modificação na natureza do recurso extraordinário.
         Nem uma coisa nem outra: o recurso extraordinário jamais teve caráter subjetivo nem as mudanças na legislação o transformaram em objetivo.
         Em verdade, ele sempre teve uma conotação bifronte, na expressão de Rodolfo de Camargo Mancuso(1993, p. 82), ou uma dúplice finalidade (Almeida Santos). Como assinalou Pedro Batista Martins, em obra póstuma, atualizada por Alfredo Buzaid (1957, p. 377), que o recurso extraordinário "supõe um elemento egoístico ius litigatoris, em concorrência com um elemento político, ius constitutionis". Ou, ainda, nas palavras de Calamandrei, citado por José Afonso da Silva (1963, p. 107: "permite ao Supremo Tribunal fazer com que marchem, a igual passo, o interesse individual na justiça do caso singular e o interesse público na interpretação exata da lei em abstrato".
         Porém José Afonso da Silva já atentava para o fato de que, ao apreciar o recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal, ao julgá-lo, exerce função jurisdicional, mas com finalidade diversa dos outros órgãos jurisdicionais. Daí não se configurar como uma terceira instância nem se permite rediscutir questões puramente fáticas. Em síntese, e utilizando-se das lições de Ada Pellegrini Grinover (1996, p. 33-34), pode-se afirmar que o recurso extraordinário sempre se caracterizou como aquele que visa a proteger, antes de mais nada, o direito objetivo, e só mediatamente o do recorrente.
         Ainda nas palavras de José Afonso da Silva (1963, p. 107): "É um meio processual que o Estado pôs à disposição das partes, para que, defendendo o próprio interesse subjetivo, dêem ao Pretório Excelso o instrumento de contrôle da unidade do Direito nacional e, sobretudo, da supremacia da Constituição".
         Por fim, acredita-se que a mutação na natureza do recurso extraordinário ocorreu, sobretudo, com criação da cláusula da repercussão geral e da súmula vinculante. Embora importantes, não possuem, no entanto, a força sugerida. Pois, a primeira constitui apenas, e tão somente, pressuposto de admissibilidade que, como se sabe, não se confunde com o juízo de mérito e nem a implica. O conhecimento de um recurso não importa na aceitação do mérito. Vale dizer, o julgamento de um recurso extraordinário, presente a cláusula da repercussão geral, não transforma a decisão de mérito em erga ommnes. Depois, a regra de que, em processos com idêntica controvérsia, e, reconhecida a repercussão geral da questão debatida e julgado o mérito recursal, os recursos sobrestados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, significa apenas a transferência do julgamento que, antes era feito pelo STF, para os Tribunais de origem. Simples assim.
         No tocante à súmula vinculante, cabe dizer que, ao invés de importar na transformação da natureza do recurso extraordinário, ela o pressupõe: se neste se decidisse erga omnes não seria necessário aquela, que exige, para sua aprovação, decisões reiteradas sobre matéria constitucional. Uma só decisão não gera súmula vinculante, tem efeito inter partes.
            Em verdade, o que se quer, com a tese da objetivização  e abstrativização do recurso extraordinário é, a pretexto de se garantir a supremacia da constituição, equiparar o controle difuso de constitucionalidade ao controle concentrado, reforçando, ainda mais, o poder do STF.

domingo, 18 de abril de 2010

CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROPOSTAS APROVADAS


Entre os dias 28 de março a 01 de abril do corrente, foi realizada, em Brasília-DF, a Conferência Nacional de Educação, cujo objetivo principal foi desenhar as bases do novo Plano Nacional da Educação (PNE) com vigência 2011/2020.
Dentre as propostas aprovadas no documento final, elencamos as principais:
  • Criação do Sistema Nacional da Educação para articulação das ações educacionais em todos os níveis e todas as áreas;
  •  Criação do Fórum Nacional da Educação;
  •  Eleição democrática e representativa nos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Educação;
  • Extensão da gestão democrática da educação para o setor
  •  Fortalecimento do ensino público e gratuito;
  •  Reserva de vagas nas universidades públicas para um mínimo de 50% de alunos egressos do ensino médio, sendo respeitada a proporcionalidade de negros(as) e indígenas de cada ente federado a que pertence a instituição;
  •  Ampliação do atendimento de creche, ensino fundamental em período integral e ensino médio profissionalizante, bem como da Educação de Jovens e Adultos e de programas de combate ao analfabetismo;
  •  Financiamento das matriculas públicas através do Custo Aluno/a Qualidade (CAQ);
  •  Ampliação da gratuidade dos cursos do sistema “s”;
  •  Construção de um Referencial Nacional para a Formação de Professores;
  •  Formas de melhoria salarial dos profissionais da educação com piso salarial de R$ 1.800,00;
  • Sistema de dedicação exclusiva do professor num único cargo, sendo que até 2015, 1/3 da carga horária será destinada a horas-atividade;
  • Estabelecimento de licença automática e remunerada para cursos de mestrado e doutorado;
  • Estabelecimento de Formação inicial do professor de forma presencial e o EAD (Ensino á distância) somente de forma excepcional e rigidamente regulamentado;
  • Aprovação do número máximo de alunos por turmas: 15 na pré-escola, 20 no ensino fundamental, 25 no ensino médio e 30 no ensino superior.
  • Ampliação gradativa dos recursos da educação até que seja aplicado 10% do PIB na educação pública;
  •  Ampliação dos recursos vinculados de 18% para 25% dos recursos da União e de 25% para 30% dos recursos dos Estados e Municípios;
  •  Criação da Lei de Responsabilidade Educacional;
  •  Criação do programa de Educação Fiscal para a cidadania;
  •  Destinar 50% dos recursos do Fundo Social e dos royalties do petróleo e do pré-sal para a educação;
  •  Fortalecimento das medidas de inclusão e de educação para a diversidade, com a introdução da educação para comunidades quilombolas, o combate à homofobia e outras formas de preconceito;
  • Limitação gradativa do financiamento de instituições públicas com recursos privados, com prazo final de 2018 para que cesse completamente.

Por Francisca Sílvia, Promotora de Justiça de Elesbão Veloso-PI


sábado, 17 de abril de 2010

Acórdão sobre Battisti é publicado pelo STF


O acórdão do julgamento da extradição do italiano Cesare Battisti foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico e no site do Supremo Tribunal Federal, na última sexta-feira (16/4).
O acórdão, que possui 686 páginas (http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610034), foi marcado por várias questões de ordem, todas elas caracterizadas por divergências e divisões entre os ministros, inclusive quanto ao próprio teor da proclamação do resultado. Enfim, um julgamento que, como reconheceu o Min. Cezar Peluso, "atípico sob muitos pontos de vista", no qual "perdeu-se a dinâmica dos julgamentos de qualquer Corte".
A polêmica final concerniu ao caráter da decisão: se vinculava, ou não, o Presidente da República. Em outras palavras, haveria submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Inicialmente, os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Marco Aurélio e Eros Grau entenderam que a decisão de deferimento da extradição não vincula o Presidente da República. Porém, para este último, isto não significa ser discricionário. O governo italiano, então, formulou pedido de esclarecimento a fim de que o Min. Eros Grau explicasse o teor do seu voto, que esclareceu que a não vinculatividade não implica na discricionariedade do Chefe do Poder Executivo, pois este está vinculado ao Tratado. Surgiu nova questão: tratar-se-ia, de uma terceira corrente, ao lado da vinculação e da discricionariedade? Se fosse, haveria um impasse, pois quatro (Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e Gilmar Mendes) teria votado na primeira tese, quatro, na segunda e Eros Grau, na terceira.
Ao final, prevaleceu que "decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando". O que, à primeira vista, representa a opinião do Min. Eros Grau, consoante o qual "nos termos do Tratado, o Presidente da República deferirá, ou não, a extradição autorizada pelo tribunal, sem que com isso esteja a desafiar sua decisão". Porém, o Min. Cezar Peluso observou que "o voto do Ministro Eros Grau em nada modifica o meu voto, porque o meu voto concede a extradição nos termos do tratado". Este, por sua vez, retrucou "minha conclusão é contrária à sua".
Em verdade, a discordância está, justamente, no sentido que um e outro dão à expressão "nos termos do tratado". Se para Peluso, o tratado não deixa opção ao Presidente da República; para Eros, sim.
Em resumo, se, por acaso, o Presidente da República decidir não extraditar Cesare Battisti, a questão retornará ao STF.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

DESVIOS DE VERBAS DO FUNDEF: O DILEMA DA COMPETÊNCIA

Desde a sua criação, através da Emenda Constitucional n. 14, de 12/09/96, e disciplinado pela Lei n. 9.246/96, que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - FUNDEF (hoje, transformado em FUNDEB, pela EC n. 53/06, e regulado pela Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007), vem suscitando dúvidas quanto à sua correta interpretação. Em casos de desvios, discute-se se a competência para o julgamento das ações penais e ações de improbidade administrativa pertence à justiça federal ou estadual. O Superior Tribunal de Justiça chegou, inclusive, a editar uma súmula, 208, segundo a qual "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal". Julgou-se que “há interesse direto da União no que se refere à regular fiscalização das verbas do Fundef, com as quais presta assistência técnica e financeira aos municípios”. Entendimento que é compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal (HC n. 80.867/PI, Rel. Min. Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ 12.04.2002).
Pois bem, no último dia 12 de março, o site do STF noticiou que o Min. Dias Toffoli teria decidido, na ACO 1285/SP, que "desvios de verbas do Fundef deve ser investigado criminalmente pelo MP federal e civilmente pelo MP estadual". Assim posto, parece que temos uma regra a balizar as ações do Ministério Público federal e o estadual. Todos os dois teriam atribuições para investigar os desvios de verbas do Fundef: um sob a ótica penal, outro, sob a ótica cível, da improbidade administrativa, da reparação do dano.
Quando, porém, se lê a decisão em sua inteireza, percebe-se, a meu ver, que não é bem assim. Pois, se, de um lado, o Ministro aceitou a alegação do Procurador Geral da República de que a Constituição Federal estabeleceu regras distintas para ações cíveis e criminais, de outro, estabeleceu, em consonância com a jurisprudência do próprio STF, que há de se averiguar, em cada caso, se a União tem legítimo interesse para atuar como autora, ré, assistente ou opoente, conforme o disposto no art. 109, inciso I, da CF.
Assim, a competência para julgar crime decorrente de desvio de verbas do Fundef sempre pertence à justiça federal, pois "é patente o interesse da União, consubstanciado na universalização de um padrão mínimo de qualidade de ensino, independentemente de repasse, ou não, de verba federal". Já, em se tratando de ação por ato de improbidade administrativa há de se aferir, em cada caso, a existência de interesse da União a fim de se estabelecer se a competência pertence à justiça federal ou à justiça estadual.
A cisão anunciada na notícia pode, em nosso entender, acontecer ou não. Acontecerá naqueles Estados-membros, como no caso em exame, em que não há repasse de verba federal para efeito de complementação do valor mínimo por aluno. Nos demais Estados, em que há repasse da União, a competência será única: da justiça federal.
Por fim, entendo que todo problema reside na premissa que norteia a jurisprudência tanto do STJ quanto do STF: o interesse da União na regular fiscalização das regras do Fundef. Mas esta, é história para outro "post".