segunda-feira, 5 de abril de 2010

DESVIOS DE VERBAS DO FUNDEF: O DILEMA DA COMPETÊNCIA

Desde a sua criação, através da Emenda Constitucional n. 14, de 12/09/96, e disciplinado pela Lei n. 9.246/96, que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - FUNDEF (hoje, transformado em FUNDEB, pela EC n. 53/06, e regulado pela Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007), vem suscitando dúvidas quanto à sua correta interpretação. Em casos de desvios, discute-se se a competência para o julgamento das ações penais e ações de improbidade administrativa pertence à justiça federal ou estadual. O Superior Tribunal de Justiça chegou, inclusive, a editar uma súmula, 208, segundo a qual "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal". Julgou-se que “há interesse direto da União no que se refere à regular fiscalização das verbas do Fundef, com as quais presta assistência técnica e financeira aos municípios”. Entendimento que é compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal (HC n. 80.867/PI, Rel. Min. Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ 12.04.2002).
Pois bem, no último dia 12 de março, o site do STF noticiou que o Min. Dias Toffoli teria decidido, na ACO 1285/SP, que "desvios de verbas do Fundef deve ser investigado criminalmente pelo MP federal e civilmente pelo MP estadual". Assim posto, parece que temos uma regra a balizar as ações do Ministério Público federal e o estadual. Todos os dois teriam atribuições para investigar os desvios de verbas do Fundef: um sob a ótica penal, outro, sob a ótica cível, da improbidade administrativa, da reparação do dano.
Quando, porém, se lê a decisão em sua inteireza, percebe-se, a meu ver, que não é bem assim. Pois, se, de um lado, o Ministro aceitou a alegação do Procurador Geral da República de que a Constituição Federal estabeleceu regras distintas para ações cíveis e criminais, de outro, estabeleceu, em consonância com a jurisprudência do próprio STF, que há de se averiguar, em cada caso, se a União tem legítimo interesse para atuar como autora, ré, assistente ou opoente, conforme o disposto no art. 109, inciso I, da CF.
Assim, a competência para julgar crime decorrente de desvio de verbas do Fundef sempre pertence à justiça federal, pois "é patente o interesse da União, consubstanciado na universalização de um padrão mínimo de qualidade de ensino, independentemente de repasse, ou não, de verba federal". Já, em se tratando de ação por ato de improbidade administrativa há de se aferir, em cada caso, a existência de interesse da União a fim de se estabelecer se a competência pertence à justiça federal ou à justiça estadual.
A cisão anunciada na notícia pode, em nosso entender, acontecer ou não. Acontecerá naqueles Estados-membros, como no caso em exame, em que não há repasse de verba federal para efeito de complementação do valor mínimo por aluno. Nos demais Estados, em que há repasse da União, a competência será única: da justiça federal.
Por fim, entendo que todo problema reside na premissa que norteia a jurisprudência tanto do STJ quanto do STF: o interesse da União na regular fiscalização das regras do Fundef. Mas esta, é história para outro "post".