sábado, 24 de abril de 2010

A OBJETIVIZAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Para o Paulo Rubens Rebouças

         Para alguns autores, o recurso extraordinário vem passando por várias transformações, sendo a principal delas, a sua "objetivização" e "abstrativização". Quer com isto dizer, de um lado, que o RE  "deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva" como argumentou o Min. Gilmar Mendes no RE 376.852/SC. E, de outro, que a decisão nele proferida não terá efeito apenas para as partes que compõe o processo, mas para todos, vale dizer, erga omnes.
         Sustenta-se que tal mutação na natureza do recurso extraordinário adveio em virtude de alterações legislativas, constitucionais e infraconstitucionais, tais como o art. 14, parágrafos 4º a 9º da Lei Federal nº 10.259/2001, os arts 102, § 3º. 103-A da CF/88, acrescentados pela EC nº 45/2004, além de algumas decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
         Resta, então, indagar se esta modalidade de recurso apresentava, de fato, um "caráter marcadamente subjetivo" e se estas mudanças na legislação foram de tal monta a operar uma modificação na natureza do recurso extraordinário.
         Nem uma coisa nem outra: o recurso extraordinário jamais teve caráter subjetivo nem as mudanças na legislação o transformaram em objetivo.
         Em verdade, ele sempre teve uma conotação bifronte, na expressão de Rodolfo de Camargo Mancuso(1993, p. 82), ou uma dúplice finalidade (Almeida Santos). Como assinalou Pedro Batista Martins, em obra póstuma, atualizada por Alfredo Buzaid (1957, p. 377), que o recurso extraordinário "supõe um elemento egoístico ius litigatoris, em concorrência com um elemento político, ius constitutionis". Ou, ainda, nas palavras de Calamandrei, citado por José Afonso da Silva (1963, p. 107: "permite ao Supremo Tribunal fazer com que marchem, a igual passo, o interesse individual na justiça do caso singular e o interesse público na interpretação exata da lei em abstrato".
         Porém José Afonso da Silva já atentava para o fato de que, ao apreciar o recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal, ao julgá-lo, exerce função jurisdicional, mas com finalidade diversa dos outros órgãos jurisdicionais. Daí não se configurar como uma terceira instância nem se permite rediscutir questões puramente fáticas. Em síntese, e utilizando-se das lições de Ada Pellegrini Grinover (1996, p. 33-34), pode-se afirmar que o recurso extraordinário sempre se caracterizou como aquele que visa a proteger, antes de mais nada, o direito objetivo, e só mediatamente o do recorrente.
         Ainda nas palavras de José Afonso da Silva (1963, p. 107): "É um meio processual que o Estado pôs à disposição das partes, para que, defendendo o próprio interesse subjetivo, dêem ao Pretório Excelso o instrumento de contrôle da unidade do Direito nacional e, sobretudo, da supremacia da Constituição".
         Por fim, acredita-se que a mutação na natureza do recurso extraordinário ocorreu, sobretudo, com criação da cláusula da repercussão geral e da súmula vinculante. Embora importantes, não possuem, no entanto, a força sugerida. Pois, a primeira constitui apenas, e tão somente, pressuposto de admissibilidade que, como se sabe, não se confunde com o juízo de mérito e nem a implica. O conhecimento de um recurso não importa na aceitação do mérito. Vale dizer, o julgamento de um recurso extraordinário, presente a cláusula da repercussão geral, não transforma a decisão de mérito em erga ommnes. Depois, a regra de que, em processos com idêntica controvérsia, e, reconhecida a repercussão geral da questão debatida e julgado o mérito recursal, os recursos sobrestados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, significa apenas a transferência do julgamento que, antes era feito pelo STF, para os Tribunais de origem. Simples assim.
         No tocante à súmula vinculante, cabe dizer que, ao invés de importar na transformação da natureza do recurso extraordinário, ela o pressupõe: se neste se decidisse erga omnes não seria necessário aquela, que exige, para sua aprovação, decisões reiteradas sobre matéria constitucional. Uma só decisão não gera súmula vinculante, tem efeito inter partes.
            Em verdade, o que se quer, com a tese da objetivização  e abstrativização do recurso extraordinário é, a pretexto de se garantir a supremacia da constituição, equiparar o controle difuso de constitucionalidade ao controle concentrado, reforçando, ainda mais, o poder do STF.

domingo, 18 de abril de 2010

CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROPOSTAS APROVADAS


Entre os dias 28 de março a 01 de abril do corrente, foi realizada, em Brasília-DF, a Conferência Nacional de Educação, cujo objetivo principal foi desenhar as bases do novo Plano Nacional da Educação (PNE) com vigência 2011/2020.
Dentre as propostas aprovadas no documento final, elencamos as principais:
  • Criação do Sistema Nacional da Educação para articulação das ações educacionais em todos os níveis e todas as áreas;
  •  Criação do Fórum Nacional da Educação;
  •  Eleição democrática e representativa nos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Educação;
  • Extensão da gestão democrática da educação para o setor
  •  Fortalecimento do ensino público e gratuito;
  •  Reserva de vagas nas universidades públicas para um mínimo de 50% de alunos egressos do ensino médio, sendo respeitada a proporcionalidade de negros(as) e indígenas de cada ente federado a que pertence a instituição;
  •  Ampliação do atendimento de creche, ensino fundamental em período integral e ensino médio profissionalizante, bem como da Educação de Jovens e Adultos e de programas de combate ao analfabetismo;
  •  Financiamento das matriculas públicas através do Custo Aluno/a Qualidade (CAQ);
  •  Ampliação da gratuidade dos cursos do sistema “s”;
  •  Construção de um Referencial Nacional para a Formação de Professores;
  •  Formas de melhoria salarial dos profissionais da educação com piso salarial de R$ 1.800,00;
  • Sistema de dedicação exclusiva do professor num único cargo, sendo que até 2015, 1/3 da carga horária será destinada a horas-atividade;
  • Estabelecimento de licença automática e remunerada para cursos de mestrado e doutorado;
  • Estabelecimento de Formação inicial do professor de forma presencial e o EAD (Ensino á distância) somente de forma excepcional e rigidamente regulamentado;
  • Aprovação do número máximo de alunos por turmas: 15 na pré-escola, 20 no ensino fundamental, 25 no ensino médio e 30 no ensino superior.
  • Ampliação gradativa dos recursos da educação até que seja aplicado 10% do PIB na educação pública;
  •  Ampliação dos recursos vinculados de 18% para 25% dos recursos da União e de 25% para 30% dos recursos dos Estados e Municípios;
  •  Criação da Lei de Responsabilidade Educacional;
  •  Criação do programa de Educação Fiscal para a cidadania;
  •  Destinar 50% dos recursos do Fundo Social e dos royalties do petróleo e do pré-sal para a educação;
  •  Fortalecimento das medidas de inclusão e de educação para a diversidade, com a introdução da educação para comunidades quilombolas, o combate à homofobia e outras formas de preconceito;
  • Limitação gradativa do financiamento de instituições públicas com recursos privados, com prazo final de 2018 para que cesse completamente.

Por Francisca Sílvia, Promotora de Justiça de Elesbão Veloso-PI


sábado, 17 de abril de 2010

Acórdão sobre Battisti é publicado pelo STF


O acórdão do julgamento da extradição do italiano Cesare Battisti foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico e no site do Supremo Tribunal Federal, na última sexta-feira (16/4).
O acórdão, que possui 686 páginas (http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610034), foi marcado por várias questões de ordem, todas elas caracterizadas por divergências e divisões entre os ministros, inclusive quanto ao próprio teor da proclamação do resultado. Enfim, um julgamento que, como reconheceu o Min. Cezar Peluso, "atípico sob muitos pontos de vista", no qual "perdeu-se a dinâmica dos julgamentos de qualquer Corte".
A polêmica final concerniu ao caráter da decisão: se vinculava, ou não, o Presidente da República. Em outras palavras, haveria submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Inicialmente, os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Marco Aurélio e Eros Grau entenderam que a decisão de deferimento da extradição não vincula o Presidente da República. Porém, para este último, isto não significa ser discricionário. O governo italiano, então, formulou pedido de esclarecimento a fim de que o Min. Eros Grau explicasse o teor do seu voto, que esclareceu que a não vinculatividade não implica na discricionariedade do Chefe do Poder Executivo, pois este está vinculado ao Tratado. Surgiu nova questão: tratar-se-ia, de uma terceira corrente, ao lado da vinculação e da discricionariedade? Se fosse, haveria um impasse, pois quatro (Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e Gilmar Mendes) teria votado na primeira tese, quatro, na segunda e Eros Grau, na terceira.
Ao final, prevaleceu que "decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando". O que, à primeira vista, representa a opinião do Min. Eros Grau, consoante o qual "nos termos do Tratado, o Presidente da República deferirá, ou não, a extradição autorizada pelo tribunal, sem que com isso esteja a desafiar sua decisão". Porém, o Min. Cezar Peluso observou que "o voto do Ministro Eros Grau em nada modifica o meu voto, porque o meu voto concede a extradição nos termos do tratado". Este, por sua vez, retrucou "minha conclusão é contrária à sua".
Em verdade, a discordância está, justamente, no sentido que um e outro dão à expressão "nos termos do tratado". Se para Peluso, o tratado não deixa opção ao Presidente da República; para Eros, sim.
Em resumo, se, por acaso, o Presidente da República decidir não extraditar Cesare Battisti, a questão retornará ao STF.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

DESVIOS DE VERBAS DO FUNDEF: O DILEMA DA COMPETÊNCIA

Desde a sua criação, através da Emenda Constitucional n. 14, de 12/09/96, e disciplinado pela Lei n. 9.246/96, que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - FUNDEF (hoje, transformado em FUNDEB, pela EC n. 53/06, e regulado pela Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007), vem suscitando dúvidas quanto à sua correta interpretação. Em casos de desvios, discute-se se a competência para o julgamento das ações penais e ações de improbidade administrativa pertence à justiça federal ou estadual. O Superior Tribunal de Justiça chegou, inclusive, a editar uma súmula, 208, segundo a qual "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal". Julgou-se que “há interesse direto da União no que se refere à regular fiscalização das verbas do Fundef, com as quais presta assistência técnica e financeira aos municípios”. Entendimento que é compartilhado pelo Supremo Tribunal Federal (HC n. 80.867/PI, Rel. Min. Ellen Gracie, 1ª Turma, DJ 12.04.2002).
Pois bem, no último dia 12 de março, o site do STF noticiou que o Min. Dias Toffoli teria decidido, na ACO 1285/SP, que "desvios de verbas do Fundef deve ser investigado criminalmente pelo MP federal e civilmente pelo MP estadual". Assim posto, parece que temos uma regra a balizar as ações do Ministério Público federal e o estadual. Todos os dois teriam atribuições para investigar os desvios de verbas do Fundef: um sob a ótica penal, outro, sob a ótica cível, da improbidade administrativa, da reparação do dano.
Quando, porém, se lê a decisão em sua inteireza, percebe-se, a meu ver, que não é bem assim. Pois, se, de um lado, o Ministro aceitou a alegação do Procurador Geral da República de que a Constituição Federal estabeleceu regras distintas para ações cíveis e criminais, de outro, estabeleceu, em consonância com a jurisprudência do próprio STF, que há de se averiguar, em cada caso, se a União tem legítimo interesse para atuar como autora, ré, assistente ou opoente, conforme o disposto no art. 109, inciso I, da CF.
Assim, a competência para julgar crime decorrente de desvio de verbas do Fundef sempre pertence à justiça federal, pois "é patente o interesse da União, consubstanciado na universalização de um padrão mínimo de qualidade de ensino, independentemente de repasse, ou não, de verba federal". Já, em se tratando de ação por ato de improbidade administrativa há de se aferir, em cada caso, a existência de interesse da União a fim de se estabelecer se a competência pertence à justiça federal ou à justiça estadual.
A cisão anunciada na notícia pode, em nosso entender, acontecer ou não. Acontecerá naqueles Estados-membros, como no caso em exame, em que não há repasse de verba federal para efeito de complementação do valor mínimo por aluno. Nos demais Estados, em que há repasse da União, a competência será única: da justiça federal.
Por fim, entendo que todo problema reside na premissa que norteia a jurisprudência tanto do STJ quanto do STF: o interesse da União na regular fiscalização das regras do Fundef. Mas esta, é história para outro "post".

domingo, 4 de abril de 2010

O PÉ DE ALEGRIA DE FLÁVIA WENCESLAU

Em tempos de páscoa, nada melhor que ter um "pé de alegria".
Para quem ainda não conhece, esta é a paraibana Flávia Wenceslau cantando "pé de alegria", do seu primeiro CD Quase primavera.


quinta-feira, 1 de abril de 2010

MP cria o Dia Nacional de Alerta contra a "Lei Maluf".

No próximo dia 6 de abril, membros do Ministério Público de todo país se mobilizam em Brasília no Dia Nacional de Alerta contra a "Lei Maluf”: o Projeto de Lei 265/2007, de autoria do Deputado Federal Paulo Maluf, processado pelo Ministério Público por atos de corrupção, que prevê a criminalização e penalização de membros do Ministério Público que agirem, na propositura de Ação de Civil Pública, por suposta má fé, com intenção de promoção pessoal ou visando perseguição política
O movimento é uma iniciativa do Grupo de Coordenação Política do Ministério Público, entidade que congrega o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais – CNPG, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, a Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT. O evento acontece às 15h, no auditório da Procuradoria Geral da República. Para consulta do texto do projeto de lei http://www.camara.gov.br/sileg/integras/438477.pdf.

LEGITIMIDADE DO MP ESTADUAL PARA PROPOR RECLAMAÇÃO PERANTE O STF

Prevista, inicialmente, na letra "l", inciso I do art. 102, a Reclamação Constitucional é ação que visa a preservação da competência e autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, com a EC nº 45/2004, ela passou também a ter por objeto a salvaguarda da autoridade das súmulas vinculantes.

Regra geral, apenas as partes de um determinado processo, no âmbito do qual uma decisão do Supremo Tribunal Federal tenha sido desrespeitada, ou sua competência usurpada, podem propor Reclamação Constitucional.

Em se tratando, porém, de precedente provido de eficácia vinculante e erga omnes, o nosso Tribunal Constitucional reconhece a legitimidade ativa a todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao por ele julgado. (Rcl 1880/AgR - SP, relator Min. Maurício Corrêa).

Tudo isto leva à conclusão de que inexiste dúvida quanto à legitimidade do Ministério Público Estadual para propor Reclamação perante o STF.

Pois bem, a Min. Ellen Gracie e o Min. Dias Toffoli entendem que não. Para eles, apenas o Ministério Público Federal, através do Procurador Geral da República, pode propor a Reclamação Constitucional, pois o Ministério Público dos estados não estariam legitimados a atuar na Suprema Corte.

Tal discussão se deu na Rcl 7358, proposta pelo Ministério Público de São Paulo contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado que estaria em choque com o que dispõe a Súmula Vinculante nº 9, consoante a qual a perda do direito ao tempo remido, quando o preso comete falta grave, não está limitada aos 30 dias previstos no artigo 58 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84).

Segundo o site do STF, o julgamento foi interrompido em razão do pedido de vista formulado pelo Min. Ayres Britto. Antes o ministro Peluso teria salientado que o MP de São Paulo não está “atuando” perante o STF, apenas está ajuizando um remédio jurídico previsto na Constituição para impugnar decisões de tribunais locais, remédio este que está à disposição de qualquer cidadão. “Qualquer pessoa pode reclamar diretamente perante o Supremo Tribunal Federal, exceto o Ministério Público estadual? Por quê?”.